A estimulação sensitiva tátil produz efeitos marcantes na criança, podendo influenciar parâmetros fisiológicos, como a respiração e o fluxo sanguíneo. Os estímulos táteis iniciam-se na fase intra-uterina levando o feto a responder a estímulos externos que se prolongam após o nascimento.
As estimulações tácteis do feto/criança são cruciais tendo em conta os benefícios que promovem, o desenvolvimento adequado e potencia o crescimento mais saudável, para que a criança possa criar memórias de vários tipos de sensações táteis.
Tudo começa durante a gestação…
As células que dão origem à pele provêm da mesma camada embrionária da qual se forma o sistema nervoso central, ou seja, da ectoderme.
A pele é um órgão complexo que tem como principal função a proteção dos órgãos internos, facilitação da regulação térmica, tendo propriedades de bloqueio e equilíbrio hidrolítico. Para além disso, esta é constituída por terminações nervosas conectadas ao sistema nervoso central, ao qual transmite informação e do qual recebe ordens, estando sensível a estímulos táteis.
É notória a presença desta sensibilidade cutânea por volta da 7 ª semana de gestação, na fase embrionária, quando os primeiros nociceptores surgem ao redor da boca, sendo que na 20ª semana de gestação estes já estão presentes em toda a superfície corporal. A difusão da sensação cutânea precede e é coincidente com o desenvolvimento das sinapses entre as fibras sensitivas aferentes e os neurónios recetores do corno posterior da espinal medula. Concomitantemente, com o desenvolvimento das sinapses surge, então, o início do movimento dos membros, tronco e coluna vertebral, e o primeiro reflexo motor (inclinação da cabeça após o toque na região perioral).
Na 9ª semana de gestação, o queixo, as pálpebras e os braços estão sensíveis ao toque, e na 12ª semana, quase toda a superfície corporal adquire esta sensibilidade, com exceção da zona parietal e occipital do crânio. Nesta fase, o feto apresenta sensibilidade nas palmas das mãos, na planta dos pés e em todo o rosto. As sensações táteis são geradas em toda a superfície corporal do feto, geralmente, através do movimento da lanugem (pequenos pelos que surgem no feto, normalmente, no 4º mês de vida fetal e desaparecem antes do nascimento) e em contacto com o ambiente em que está inserido, nomeadamente com o líquido amniótico, a placenta, o cordão umbilical e até a própria superfície uterina.
A estimulação da criança através do toque tem efeito sobre as suas capacidades de perceção e cognição, podendo influenciar parâmetros fisiológicos, como a respiração e o fluxo sanguíneo.
O toque no abdómen materno é uma forma de estimulo indireto sobre a criança pois, ao aplicar pressão sobre este, dar-se-á a movimentação do liquido amniótico, resultando na estimulação cutânea do feto.
O que dizem os estudos?
Um estudo feito por Marx e Nagy no Reino Unido, em 2015, com 23 mulheres saudáveis, entre os 18 e os 35 anos, que se encontravam entre a 21ª e a 33ª semana de gravidez, teve como objetivo avaliar, através de um sistema de ultrassom, os movimentos fetais – dos braços, cabeça e boca – em resposta à voz materna, ao toque abdominal e, como grupo de controle, à ausência de estímulo, contabilizando-os.
Os resultados apresentados mostram que o feto tem mais movimentos de mãos, cabeça e boca quando a mãe toca no abdómen do que quando escuta a voz materna ou não é estimulado e que, à medida que se desenvolvem, estas respostas se tornam mais evidentes, sugerindo assim, que o toque da mãe é um estímulo poderoso.
Também se observou uma mudança comportamental na criança, associada à sua maturação: independentemente da condição experimental em que se inseriam, os fetos, no 3º trimestre, demonstravam mais “toque-próprio” (traduzido livremente), ou seja, as suas mãos tocavam mais no corpo, comparativamente aos fetos no 2º trimestre. Este aumento do toque no próprio corpo pode dever-se ao aumento da sensibilidade táctil da pele, associada ao desenvolvimento, traduzindo que, assim como os recém-nascidos, os fetos também procuram estimulação propriorecetiva.
Outro estudo, realizado pelos mesmos autores, em 2017 teve como objetivo examinar as diferentes respostas do feto ao toque no abdómen materno, tendo em conta a familiaridade e a fonte do mesmo. A amostra do estudo incluiu 28 mulheres saudáveis, dos 18 aos 35 anos, grávidas apenas de uma criança, com IMC dentro do padrão recomendado.
Avaliou-se, através do sistema ultrassom, o comportamento fetal ao toque abdominal feito pela mãe, pelo pai e por um desconhecido. O grupo de controlo não recebeu qualquer estimulo. Assim, verificou-se que os fetos, principalmente os que se encontravam no 3º trimestre, se comportavam de forma diferente aquando do toque abdominal, comparativamente à ausência de toque – tendiam a tocar na parede uterina – e que este toque foi mais frequente e mais prolongado quando o toque abdominal era feito pela mãe.
Ciência da Afetividade
De acordo com FransVeldan, a hapnomia é a ciência da afetividade, que traduz a afirmação fetal da sua existência e a confirmação da sua afetividade, desde o momento da sua conceção. Tendo isto em conta, pode recorrer-se à técnica da pressão, que consiste na realização do toque dirigido, intencionalmente, ao bebé e realizado no abdómen materno. Recomenda-se que as mães, ao sentirem o movimento do feto, exerçam uma pressão de forma a contrariar o estímulo, dando a perceção ao feto de que, ao realizar pressão no abdómen recebe um carinho ou afeto, ocorrendo também a estimulação dos neurónios sensitivos presentes na sua pele.
O papel da massagem infantil
A estimulação táctil deve continuar após o nascimento, com a massagem no corpo da criança, surgindo assim alguns estudos que exploram os seus benefícios.
Uma revisão da literatura por Field, Diego e Hernandez-Reif, em 2009, pretendeu examinar o efeito da massagem na criança, após o seu nascimento, e qual a forma adequada de o fazer. Ao analisar diferentes artigos, percebe-se que a massagem com pressão moderada traz vantagens para a criança, especialmente para o bebé prematuro, na medida em que é documentado um ganho de peso de 21-48% nestas crianças num período de cinco a dez dias (comparando com os grupos de controlo, onde esta terapêutica não é implementada); também, com a execução de movimentos passivos dos membros dos recém-nascidos, se verificou esta alteração de peso, aliada ao aumento da densidade mineral óssea.
Apurou-se que a realização desta massagem poderia ser feita não só pelo enfermeiro, mas também pela mãe/pai, trazendo os mesmos benefícios para a criança a nível de ganho de peso e reduzindo os dias de internamento, tendo como vantagem para a mãe, a diminuição dos sintomas de depressão e ansiedade, comuns nessa fase.
O uso de óleos, nas massagens, também foi validado, sendo associado ao ganho de peso: torna a termorregulação mais eficaz e pela sua absorção transcutânea, torna-se disponível para propósitos nutricionais. Também se questionaram os mecanismos pelos quais ocorria o ganho de peso, formando-se a hipótese de estar ligado ao aumento da atividade vagal: estimula a motilidade gástrica, que leva a uma maior libertação de insulina e absorção mais eficaz dos nutrientes.
Com isto, podemos concluir que a estimulação táctil, para além de promover o desenvolvimento neurológico adequado, potencia o crescimento da criança. Verificam-se, também, benefícios do toque em episódios de stress elevado: para a criança, ativando respostas fisiológicas e emocionais que podem tranquilizar, relaxar e promover o seu conforto, tendo efeitos no seu temperamento; e para a mãe, diminuindo os níveis de cortisol na corrente sanguínea.
Por fim, recomenda-se que a estimulação seja feita com pressão moderada, não leve (pois é este tipo de toque que potencia os benefícios anteriormente referidos) e que, para além da mão, sejam utilizados materiais com diferentes texturas, de modo a criar sensações diferentes, para que a criança possa criar memórias de vários tipos de sensações táteis.
Artigo escrito pelas Enfermeira Paula Brito e Enfermeira Alzira Amorim
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