A amamentação é um ato de amor e de confiança. Mas quando a mulher viveu um cancro da mama, esse gesto ganha uma dimensão ainda mais profunda — feita de coragem, esperança e reencontro com o próprio corpo.
Durante muito tempo acreditou-se que amamentar depois de um cancro da mama seria impossível. As cicatrizes, os efeitos dos tratamentos e o receio de uma recidiva pareciam afastar essa hipótese. No entanto, a evidência científica veio mudar essa visão: em muitos casos, a amamentação é possível e segura.
As orientações da World Health Organization (WHO) e da Academy of Breastfeeding Medicine (ABM) indicam que mulheres clinicamente estáveis e fora de tratamento ativo podem amamentar com segurança, desde que recebam acompanhamento especializado.
A American Cancer Society reforça que amamentar após um cancro da mama não aumenta o risco de recidiva nem de novo tumor.
Estudos recentes, apresentados no congresso europeu de oncologia (ESMO, 2024), confirmaram que as mulheres que amamentaram depois do cancro não apresentaram mais recorrências do que aquelas que não o fizeram.
A capacidade de amamentar depende da história de cada mulher e da forma como o seu corpo respondeu ao tratamento.
Há quem produza leite em ambas as mamas, quem o faça apenas numa e quem tenha uma produção mais reduzida. O importante é compreender que existem várias formas de oferecer o leite materno ao bebé — seja através da amamentação direta, da extração manual, bomba ou combinando ambas.
O essencial é preservar, sempre que possível, o leite materno e o vínculo entre mãe e bebé. Mais do que um processo biológico, amamentar depois do cancro da mama é um gesto de superação e de confiança.
A mama, que um dia foi símbolo de dor, volta a ser lugar de vida. Este momento representa, para muitas mulheres, uma etapa de cura emocional — um reencontro com o próprio corpo e uma celebração da capacidade de continuar a nutrir e a amar. O acompanhamento especializado é determinante para que isso aconteça.
As mulheres que viveram um cancro da mama beneficiam de uma abordagem individualizada, planeada e acompanhada por profissionais especializados em aleitamento materno.
A Academy of Breastfeeding Medicine recomenda a criação de um plano de amamentação personalizado, que respeite a saúde e o desejo de cada mulher, oferecendo soluções que favoreçam o leite materno sempre que possível.
Esse plano deve incluir informação clara durante a gravidez, apoio técnico no pós-parto e acompanhamento contínuo — desde a observação da pega até à estimulação da produção de leite. Quando necessário, podem ser utilizadas estratégias complementares, como a extração manual ou com bomba, garantindo que o bebé recebe o leite da própria mãe.
A ciência mostra que este tipo de acompanhamento faz diferença. Uma revisão publicada na PLOS One em 2020 concluiu que a maioria das mulheres que tentou amamentar após o cancro da mama conseguiu fazê-lo, especialmente quando teve apoio profissional. Outros estudos reforçam que, além de segura, a amamentação nestas circunstâncias tem um impacto positivo no bem-estar emocional, fortalecendo a confiança e o vínculo entre mãe e bebé.
A amamentação depois do cancro da mama é, acima de tudo, uma história de esperança. É a prova de que o corpo feminino tem uma capacidade extraordinária de regenerar-se e de continuar a cuidar.
Com base na evidência atual e nas orientações da WHO, da ABM e de consultores IBCLC, pode afirmar-se que, com acompanhamento adequado, esta é uma possibilidade real e segura para muitas mulheres.
Como enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica e consultora em aleitamento materno, acredito que este tema deve ser falado com sensibilidade e verdade. Nenhuma mulher deve ser desencorajada sem conhecer as suas opções.
Cada história é única, e cada mulher merece apoio, informação e respeito no caminho que escolher trilhar. O corpo muda, mas continua capaz.
A amamentação depois do cancro da mama não é apenas sobre leite — é sobre coragem, confiança e amor. É sobre voltar a acreditar na força que habita em cada mulher.
Artigo de opinião por Filipa Ribeiro, Mestre Enfermeira Especialista em Saúde Materna
e Obstétrica e Consultora em Aleitamento Materno